domingo, 29 de agosto de 2010

O JOVEM NAS LETRAS DE RAP



In The Guetto


Quando a neve voa
numa fria e cinza manhã de Chicago
um pobre bebezinho nasce
no gueto
e sua mãe chora
porque essa era uma coisa que ela não precisava
é outra boca faminta para alimentar
no gueto
pessoal, vocês não entendem
a criança precisa de uma mão que o ajude
ou ele irá crescer para ser um homem raivoso algum dia
olhe para eu e você
nós estamos tão cegos para ver,
simplesmente viramos nossas cabeças
e olhamos para o outro lado
bem, o mundo gira
e um garotinho faminto com um nariz escorrendo
brinca na rua enquanto um vento frio sopra
no gueto
e sua fome queima
então ele começa a vagar pelas ruas à noite
e ele aprende como roubar
e ele aprende como lutar
no gueto
então uma noite em desespero
um jovem foge
ele compra uma arma, rouba um carro,
tenta correr, mas ele não consegue
e sua mãe chora
assim como uma multidão reunida ao redor do jovem furioso
caído na rua com uma arma em sua mão
no gueto
como o homenzinho dela morreu,
numa fria e cinza manhã de Chicago,
outro bebezinho nasce
no gueto. [1]




A letra acima, do repertório gospel de Elvis Presley cantada na década de 1960, apesar da cidade e da época ser outra, consegue apresentar, em linhas gerais, o clima dessa apresentação. Fome, desespero, atitude, morte. A violência que vitima o jovem que nasce sem condições de sobrevivência na cidade.
Analisar a canção é tentar compreender as experiências de jovens. Usar a canção como fonte é tentar descobrir o universo interior de jovens numa fase na qual aparecem os questionamentos de valores sociais. Esse universo mental pode ser decodificado através da trama e dos símbolos musicais (na minha pesquisa, a letra). A análise da canção enquanto fonte pode possibilitar a observação de como os elementos simbólicos disseminados pela expressão artística influenciam no comportamento e cotidiano das pessoas, ajudando na construção de um imaginário social[2].
Somente no século XX a juventude passa a ser reconhecida como um grupo social especifico nos estudos das ciências humanas. Aparece a adolescência como etapa social distinguível, já que antes não havia separação entre o mundo infantil e o mundo adulto. Boa parte dos estudiosos dos movimentos juvenis destaca ou conclui que existem tradições da juventude caracterizadas por manifestações de revolta, potencial para a crítica social, vontade de transformar as condições de vida nem sempre favoráveis. O descontentamento é a principal expressão dos jovens.
Neste sentido, a juventude é vista como uma reserva revitalizante da sociedade, questionadora do social e seria a pioneira predestinada a qualquer mudança na sociedade. Os movimentos juvenis foram vistos, nas suas formas de expressão e manifestação, como combativos e contestadores. Expressam, por meio de sua ação ou vestuário, revolta, descontentamento, resistência contra todas as mazelas da sociedade na qual estão se inserindo. O objetivo deles é denunciar o que está errado negando o que não querem[3].
Tal qual essa canção de Elvis Presley, outra é capaz de traduzir, em seus versos nus e crus, a dura vida de jovens pobres e excluídos nas grandes cidades, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil – o RAP.
O RAP (rhythm and poetry) é a mais forte expressão da cultura hip-hop. Foi criado por jamaicanos em Kingston e desenvolveu-se no Bronx, Nova York, no fim dos anos 70. Transformou-se num forte veículo de contestação e denúncia das agruras dos grupos marginalizados que ocupam as periferias nos Estados Unidos. Jovens de origem afro-americana e caribenha. As raízes do ritmo e da poesia remontam as antigas tradições de oralidade da cultura africana: os griots, que eram contadores de histórias e das tradições das tribos africanas. Em São Paulo, foi desenvolvido, em meados dos anos 80, em encontros de jovens de periferia na Praça da Sé e na Estação São Bento do Metrô[4] de São Paulo.
Nessa apresentação, pretendo mostrar recortes de como parcela dos jovens de periferia se vê, analisa sua vida num ambiente social violento, sem perspectivas, saídas, oportunidades, somente a esperança de uma vida melhor. Como o jovem é representado no universo rapper.
Pode-se pensar o RAP como um espaço de disputas, caracterizado por mudanças e transformações, mas também por resistências e permanências, que permite a análise de uma série de questões e problemas sociais, tais como: etnia, classes sociais, violência, entre outras. Ao mesmo tempo em que criticam a sociedade de consumo, pelo fato de não se sentirem pertencentes, sonham em poder comprar, também consumir. De forma que fica difícil demarcar a fina linha que divide o discurso contra-ideológico do discurso de integração presente na canção RAP.
Neste sentido, se dá um processo de simulação de força, transformando o RAP numa tática lingüística eficiente de driblar os contratos e alterar, através do jogo lingüístico do poema, as regras de um espaço opressor[5]. Vários aspectos podem ser observados através do desenvolvimento das rimas denunciadoras e críticas em relação às questões das discriminações étnicas e de classe.
Facção Central, grupo de RAP da Cidade de São Paulo, produziu, em 2000, um vídeo clipe no qual mostrava como era arquitetado um seqüestro. O vídeo clipe, veiculado pela MTV, primava pelos detalhes. A música era “Isso aqui é uma Guerra” do CD “Versos Sangrentos”. A repercussão foi enorme. Chegou a provocar investigações e prisões dos integrantes do grupo sob a acusação de apologia ou incitação ao crime.
Na produção seguinte, “A Marcha Fúnebre Prossegue”, Facção Central respondeu aos oficiais de justiça e policiais. Explicou que a intenção era denunciar a “guerra civil” qu acomete os excluídos das periferias das grandes cidades brasileiras. Essa guerra transforma esses excluídos em soldados ou vítimas da “guerra”.
A letra de RAP do grupo Facção Central apresentada aqui é, na minha opinião, a que melhor sintetiza os objetivos da música RAP e do movimento hip hop, do qual o RAP é elemento integrante:


“Apologia ao Crime - Faccão Central
(CD: A Marcha Fúnebre Prossegue)


Não queria te ver na maca cuspindo sangue
quase morto no hospital com uma par de tiro
tomando soro
nem catando pionner do escort nem enrolando a língua
morrendo de overdose
esquece a doze o cachimbo a rica cheia de jóia
já vi por um real bisturi de legista em muito nóia
não seja só mais um número de estatística
um corpo no bar vitima de outra chacina
é embassado saber que a propaganda na tv
de carro casa própria não foi feita pra você
saber que pra ter arroz feijão frango no forno
tem que pegar um oitão e desfigurar um corpo
entendo o motivo sou fruto da favela
sei ver qual a dor de não ter nada na panela
de dividir um cômodo de dois metros em cinco
um quarto sem luz água sem sorriso
só que truta o crime é dor na delegacia
choque solidão agonia te dão uma 1.40
com silenciador e mira
pra você estraçalhar com o caixa da padaria
da mercearia drogaria pra que um dia
sua família reze sua missa de 7º dia
o boy de role de cheroki vidro fume
é armadilha do sistema pra matar você
Refrão: Não caia na armadilha siga a minha apologia
mesmo de barriga vazia esquece a jóia da rica
não caia na armadilha siga a minha apologia
sua missa de 7º dia ta de importado na avenida
Corrente de ouro carro do ano tudo ilusório
farinha bicarbonato velório
traficante vi vários com uma pa de funcionários
de BMW dando dinheiro pra delegado
comemorando o ano novo descarregando a draga pra alto
terminando sem um centavo
na doze do soldado de fuzil granada nove
nunca ninguém voltou com um malote do carro forte
sempre o mesmo fim mãe chorando no caixão
o mano planejando rebelião na detenção
mordida de cachorro esculacho do gói
só que te lá dentro sabe o preço de matar o boy
se que muito pouco sonha apenas com comida
quem não quer ter uma casa com piscina
um cargo bom ao invés de comer lixo
um carro importado ultimo modelo esportivo
só que o conforto não vem através do revolver
do sangue da refém milionária temendo a morte
o gambé não quer saber seu motivo
quer sua cabeça na parede igual a um corpo abatido
não interessa se é pro remédio da sua mãe
pra fumar crack ou beber champagne
se invadir o condomínio gritando assalto
caiu na armadilha até no teto vai ter seus pedaços
Refrão
Querem você virando a cadeia matando estuprador
exigindo o governador o juiz corregedor
querem você num opala metralhando pa
chacina de numero trezentos pro sptv noticiar
por isso não tem um de nos no congresso na câmara
aqui é só ladrão estado vegetativo na cama
ou cadeira de roda tiro na espinha
por um par de tênis um risco de cocaína
nossa vida vale menos que um real
aqui pobre só presta pra doar órgão no hospital
por isso vai pra colégio tentar ser o arquiteto
não faço os porcos aplaudirem mais um nóia analfabeto
invadindo a coroa pra fumar um radio
da bonde traficante amanhece esquartejado
pega sua 386 e faz a planta do banco
atira no segurança chuta o refém que esta chorando
cata o malote esvazia o cofre
descarrega na cabeça do gerente sua nove
ou poe a roupa de carteiro pra enganar o porteiro
enquadrar um prédio inteiro e roubar jóia dinheiro
pras 6 horas eu te ver no cidade alerta
algemado com hematoma tipo cachorro numa cela
o sistema te que chorar mas não com você matando na rua
o sistema tem que chorar vendo a sua formatura”.




Durante a leitura e audição dessa música, a capacidade que esses jovens têm de entender, por sofrer na pele, que há um projeto de extermínio dos jovens pobres e excluídos. Essa é uma tese forte, que contesta, desmascara ou afronta os discursos oficiais sobre a violência. Aquele que os ideólogos dos aparelhos repressores do Estado teimam em apontar como sujeitos da violência, são, nas letras de RAP do Facção Central as primeiras e principais vítimas de um sistema capitalista perverso e excludente, que tolhe o ser humano de poder subsistir.
A não ser que você, interlocutor, seja um pobre, um excluído das periferias e favelas das cidades brasileiras, não dá para imaginar o que é crescer sofrendo essa violência, sem teto, estômago vazio, sem escolaridade, sem saída.
Quando não há mais saída, quando a situação é extrema, ele, o jovem excluído é tomado pela consciência das ciladas armadas para os jovens pobres das periferias brasileiras. É neste momento que o jovem descobre as respostas para as suas perguntas: Por que é mais fácil conseguir uma arma, algumas pedras (tóxico), copos de aguardente, do que comer uma refeição completa, aprender o que poderia ser um instrumento de redenção, ter lazer digno? Por que ele não teve acesso ao que a sociedade do consumo pode ter, será que a propaganda não foi feita para ele? Por que é extremamente difícil para a família colocar o mínimo dos alimentos na mesa? Será que isso não poderia acontecer sem o crime? Como fazer para que a fome pare de queimar ou doer?
As perguntas se multiplicam. Por que ter de morar em péssimas condições, em um cubículo, sem água, luz ou esgoto? Por que, na escola não ensinaram para ele o valor do pobre, o porque da pobreza e da exclusão. Ou até tentaram e ele não queria ou podia entender? Por que projetam uma escola a cada quatro presídios? Por que não tem livro ou biblioteca na favela?
As denúncias de violências policiais são recorrentes nas letras de RAP. Por que, para a polícia, ele é mais perigoso cuidando de carros do que um traficante ou um jovem rico que financia o tráfico, mas mantém as contribuições mensais para as autoridades responsáveis em coibir ou punir esses crimes?
Ele toma consciência de que se desandasse não teria outro futuro senão a tortura no cárcere. Agora, sabe porque a maioria dos colegas nervosos desaparecia por um tempo ou para sempre. Agora sabe que se morrer, vários vão lucrar, a morte é lucrativa na cidade, os cemitérios são verdadeiras máfias;
Os sonhos dele eram simples (para algumas pessoas): comer, estudar, profissão, trabalhar, poder ter uma casa, carro e família – porém para as suas condições eles eram impossíveis.
Nasce a consciência de que todo o sistema depende dele, de sua atitude – na hora em que ele perdeu o rumo, justificou a enorme verba do judiciário, da segurança pública, do sistema policial e carcerário. Eles precisam da sua fúria para existir.
Por que ele só percebeu esse projeto tarde demais? Com sede, vendo o seu sangue se esvair no asfalto. “A luz do fim do túnel apagou”. Agora ele sabe o que o sistema não queria dele: que estudasse.
Como canta o Mano Brown: “A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim, minha verdade foi outra não dá mais tempo para nada”[6].
Há na cidade de São Paulo, por exemplo, uma desordem bem vinda e tranqüilizadora: “Se uma das funções das guerras entre as nações foi resolver a questão do excesso populacional dos países envolvidos, essa nova guerra privatizada do final do milênio parece contribuir para eliminar uma parcela cada vez mais considerável dos chamados, ora ‘excedentes’, ora ‘marginais’, ora ‘excluídos’”[7].



Notas
[1] Esta música foi escrita por Scott Davis e interpretada por Elvis Presley, a tradução foi feita pela Professora de Língua Inglesa Ivete Hara.
[2] Ana Bárbara A. PEDERIVA. Enrolando o rock: a internacionalização do rock and roll In: Revista Unicsul. São Paulo: UNICSUL, Ano IV, nº 6, dezembro de 1999. p. 161.
[3] Panorama de contextualização fundamentado no estudo de GRACIANI, Maria Estela Santos.Gangues: um desafio político-pedagógico a ser superado. S/d. Mimeo.
[4] Spency K. PIMENTEL. O livro vermelho do hip-hop. Trabalho de Conclusão de Curso. ECA/USP, 1997. Pode ser encontrado em www.realhiphop.com.br .
[5] CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 79,84,85 e 86.
[6] Um Homem na Estrada – Racionais MC’s – 1993.
[7] ZALUAR, Alba. Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil. In: SCHWARCZ, Lilia Moritiz (Org.). História da Vida Privada no Brasil: contraste da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, VOL. IV, p. 263 .

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

MÚSICA ELETRÔNICA NA PERIFERIA

O gosto musical das pessoas da periferia é bastante variado. Os preconceituosos acham que aqui o que impera é o samba e o rap. Mas não é verdade. Há muito, a música eletrônica é apreciada pelos ouvintes daqui. Nas praças, parques e ruas, os jovens costumam curtir suas músicas preferidas tocando-as nos potentes alto-falantes que equipam os seus carros. Esse é um dos principais termômetros para a fama de uma música ou grupo musical na quebrada. Foi assim com Calypso, Serginho/Lacraia e a “éguinha pocotó”, os Bondes do Maluco e do Tigrão, Morango do Nordeste, Axé, D’javu, MC Creu, Rebolation, funk carioca. Todos, mesmo antes de tocarem nas rádios, fizeram um enorme sucesso nos sons dos carros.

Na quebrada, quando alguém gosta de uma música, faz questão de compartilhá-la com muitas pessoas.

No último mês, o hit dos porta-malas dos carros da quebrada é a música eletrônica australiana de Yolanda Be Cool e DCUP - We No Speak Americano.




Essa canção é uma adaptação do clássico de Renato Carosone - Tu Vuò Fa' L'Americano - da década de 50. A música original é uma crítica a “americanização” dos jovens italianos, satirizava os jovens italianos costumavam imitar os comportamentos estadunidenses. O vídeo original pode ser visto abaixo


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Dez Anos da Casa de Hip-Hop de Diadema


Nino Brown e eu.

Quem gosta de Hip Hop não pode deixar de conhecer a Casa de Hip Hop de Didema, principalmente para assistir um encontro de hip-hoppers (chamado de Hip-Hop em Ação) que acontece todo fim de mês, sábado, no Centro Cultural do Jardim Canhema.



Esse equipamento sócio-cultural está localizado numa quebrada, as margens da Rodovia dos Imigrantes em Diadema, na rua 24 de maio 38. As ruas estreitas da vila, bastante ocupadas pelas pessoas e irregularmente desenhadas não dificultaram o acesso ao espaço, sobretudo porque nos bares e esquinas sempre tem alguém bem disposto a indicar o local exato do encontro. A Casa é referencia para as pessoas da vila, o que facilita encontrá-la.
Esse evento mensal tem entrada franca. A arquitetura do local é muito parecida com a de uma escola bem pequena, porém o diferencial fica por conta da grafitagem bastante sugestiva nas paredes e nos corredores. São desenhos que recriam a história do Hip Hop em São Paulo e nesse Centro Cultural.



Nessa biblioteca encontram-se trabalhos acadêmicos que tratam da casa de cultura. Além disso, a biblioteca reúne uma série de livros importantes para a história do Hip Hop e da africanidade nas Américas e no Brasil. Nino Brown, pioneiro da Cultura Hip Hop em São Paulo é o responsável pelo local, pois além de criá-la, também a transformou uma das sedes da Zulu Nation Brasil. Nino Brown, no processo de busca de conhecimento sobre o movimento no mundo, contactou Afrika Bambaataa, um dos criadores do hip-hop estadunidense e representante da Zulu Nation (uma espécie de rede ou uma grande irmandade de hip-hoppers mundiais sediada no Bronx). Afrika Bambaataa visitou a Casa do hip-hop e sagrou Nino Brown com King, representante da irmandade no Brasil.



O papel de King Nino Brown como representante da Zulu Nation no Brasil é divulgar a história do Hip Hop através de eventos culturais e educacionais. Por isso, a Casa do Hip Hop também promove uma série de atividades culturais associadas aos elementos da cultura: aulas de graffiti, discotecagem, composição/rima/RAP e dança.
Esse conhecimento acumulado pelos educadores da Casa do Hip-Hop é que materializa o quinto elemento. Alguns hip-hoppers chamam-no de consciência, ato de conhecer, sair da ignorância, sobre a cultura libertária de parcela da juventude afro, pobre de periferia.




A Casa é especial porque desde quando se tornou Casa do Hip Hop, destacou-se como um núcleo difusor da cultura de rua associada ao RAP e Hip Hop, recebendo os fundadores do movimento na Cidade de São Paulo, como por exemplo, Nelson do Triunfo, Dj Hum e o próprio Nino Brown. Vale a pena visitar para perceber como o hip hop sobrevive no interior de uma das periferias da Grande São Paulo.

terça-feira, 20 de julho de 2010

ESPORTE E CULTURA EMBAIXO DA PONTE

Por: João Batista Soares de Carvalho

Há pouco mais de um ano abriu aqui no extremo da Zona Leste uma filial do projeto social Cora-Garrido. Esse projeto ocupa um espaço embaixo de um viaduto, no cruzamento das Avenidas Jacú-Pessego com Imperador, na Vila Jacuí.



Eu estive lá e conversei com Carlos, um pugilista amador que cuida do ambiente, recepcionando as pessoas que querem usar os aparelhos de ginásticas e consultar os livros presentes nas poucas prateleiras existentes nesse espaço.



Carlos me apresentou as mudanças e os novos aparelhos. Falou sobre a necessidade de melhorar a pequena biblioteca e até chegou a ensaiar alguns golpes de boxe contra um pneu de caminhão pendurado no centro da academia.




A história desse projeto começou há mais de uma década, um ex-pugilista Nilson Garrido, passou a ensinar boxe para moradores de rua e ex-presidiários no Vale do Anhangabaú. A ação, apoiada pela sua esposa Cora, cresceu e, com a ajuda de doadores, Garrido criou uma academia de boxe embaixo do Viaduto do Café, na Bela Vista (ou Bixiga). Usava a carcaça de uma geladeira e pneus velhos de caminhão. Seus colaboradores consertavam os aparelhos de ginásticas doados pelas pessoas.



Garrido queria ainda aliar o esporte à cultura. Para isso, construiu, no próprio espaço, um ambiente com livros para que as pessoas, usuárias da academia e outros visitantes do local, pudessem ter acesso a leitura.



Como a experiência foi vitoriosa o boxeador resolveu replicá-la. Buscou outros viadutos para poder ampliar sua ação e atender mais pessoas. Hoje cresceu tanto que virou um projeto social reconhecido internacionalmente e atende centenas de pessoas mensalmente. A sede do projeto social Cora-Garrido se encontra atualmente no Viaduto Alcântara Machado, na Moóca.



Aqui na Vila Jacuí, na Zona Leste, o projeto está deslanchando. Há pouco mais de um ano, quando eu visitei o espaço pela primeira vez, eram poucos os equipamentos dispostos em um piso irregular de chão batido. Havia a intenção de montar uma pequena biblioteca com alguns livros que Nelson Garrido havia trazido do centro da cidade. Hoje, o espaço esta um pouco mais arrumado, graças às doações das pessoas. O chão do ambiente de ginástica já não é mais de terra e o número de aparelhos triplicou.



No que diz respeito ao projeto de biblioteca, as doações foram inúmeras, a ponto dos livros não caberem mais nas poucas estantes. Esse ambiente precisa ser melhorado. Faltam estantes e esse espaço ainda tem o chão de terra que carece de ser cimentado.



A pequena biblioteca comunitária que está nascendo precisa de sua ajuda.

domingo, 11 de julho de 2010

Copa do Mundo – distorceram o hino Waving Flag de K’naan.

A Copa do Mundo que termina hoje provou que o futebol é extremamente eficiente na dissolução de tensões e conflitos sociais. É um balde de água fria em um braseiro. O que, no início, parecia ser um evento que lembraria as atrocidades cometidas durante o regime do apartheid, que mostraria um país (África do Sul) e um continente (África)de uma forma nunca vistos antes, se dissolveu assim que a bola rolou.

Observei, durante esses dias de jogos, a distorção marqueteira de um lindo hino de libertação “Waving Flag” criada pelo cantor somali K’naan.
Veja a letra original como é linda e revolucionária:



K’naan se juntou a outros cantores para fazer uma campanha em favor dos flagelados do Haiti e já havia transformado a letra de Waving flag para esse evento, mas foi por uma boa causa. Veja o vídeo abaixo.



As primeiras versões falam sobre libertação dos jugos da exploração econômica, da miséria, resultante dessa exploração, a que estão subjugados milhões de jovens no mundo. A batalha pela sobrevivência, pela comida, pela dignidade marca essa letra. Além disso, é uma canção de esperança na medida em que projeta no futuro a transformação dessa dura realidade.

A ideia entortou quando a coca-cola comprou a música e a transformou numa exaltação a sei lá o que com o nome de Celebration. Essa letra da coca-cola fala sobre alegria em ver todas as nações cantando pela juventude, sobre ver os campeões em campo. Comparando as versões, as ruas, na primeira versão, era um local de luta e miséria que ensinava um jovem pobre toda sorte de artimanhas para a sobrevivência. Já na versão da coca-cola, as ruas estão fervendo, as pessoas perdem a inibição e celebram.

Devo ressaltar que o cantor K’naan vendeu sua música, porém, do original, conseguiu manter o revolucionário refrão: "Quando eu ficar mais velho eu serei mais forte, eles me chamarão de liberdade, como uma bandeira ondulando..."

A música ficou pior ainda quando a banda brasileira Skank criou outra versão que jogou a ultima pá de areia em qualquer discurso de libertação. Uma letra esdruxula que faz menções a lances de uma partida de futebol (“gol de placa, de trivela, no cantinho”?) esvazia completamente o conteúdo da música. Aqui no Brasil não sobrou nem o refrão. Esse vídeo nem merece um link nesse blog.

Eu comentava na tarde do show de abertura que a Rede Globo nunca tinha mostrado tantos negros como agora. Mas, ironicamente, chegaram as finais desse campeonato nações que no passado foram responsáveis por grandes atrocidades contra os africanos e os não-brancos em geral: Holanda, a grande colonizadora da África do Sul; Alemanha, responsável pelo regime que mais pregou o ódio contra os diferentes – nazismo; Espanha, nação escravista histórica.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Derrota da Seleção Brasileira – Tristes, mas nem tanto.


De onde posso observar as pessoas não pareceram muito tristes com a derrota da Seleção Brasileira de Futebol na última sexta-feira. Mesmo antes de o jogo acabar a rapaziada já estava soltando pipas. Para alguns daqui mais vale um céu com um bom vento do que noventa minutos na frente da televisão. Quando o jogo acabou, quem estava assistindo voltou normalmente as ruas, a diversão continuou. Alguns até resolveram gastar os rojões. E ninguém tirou o churrasco da brasa.

Será que a favela começou a perceber que se a seleção ganhar ou não a vida não muda por aqui?

Pensei que o povo ia se revoltar, ficar cabisbaixo. Nada disso, no outro dia de manhã a molecada já corria, eufórica, atrás de uma bola no campinho da vila. E na segunda-feira a fila do ônibus já estava de novo dobrando a esquina. As contas não pararam de chegar.


O Brasil já foi campeão do mundial cinco vezes e isso não transformou em nada a vida das pessoas mais pobres. Principalmente porque o que muda de fato a vida das pessoas é o aumento da renda.
Como diz um colega meu: “O que vira memo pra nóis daqui é aumentá as de cem!”

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Intelectuais da Periferia



Por João Batista Soares de Carvalho

Tenho lido sobre o aparecimento de três grupos de atores sociais ligados ao RAP e ao Hip-Hop. Os operadores originais (b.boys, b.girls, rappers, grafiteiros, djs, etc.); pesquisadores do movimento (oriundos da periferia, é claro!) e escritores da literatura marginal. Esses três grupos têm um papel importante como produtores de um conhecimento da periferia, para a periferia. Eles estão projetando, como intelectuais da própria camada social, uma sociedade na qual os que estão na periferia comandarão. Os impreendimentos intelectuais e comerciais desses três grupos apontam para isso. Eles passaram a ganhar (conhecimento e dinheiro) com o RAP e o Hip-Hop.

Tomemos como exemplo a burguesia, que quando era revolucionária, também tinha seu corpo de intelectuais, que projetou e estabeleceu seu rumo em direção ao poder. Porém, ainda existe algo que está atrapalhando o favelado, aquele que é de periferia, a perceber o RAP e o Hip-Hop como cultura de tomada de consciência por parte do povo pobre.

Existem muitos, inclusive entre os da periferia, que confundem, que se equivocam e até deturpam a cultura. Tomam, principalmente o RAP, como trilha sonora do crime. Por isso, é importante que mais integrantes mostrem que as ações do Hip Hop e da Literatura Marginal podem ser instrumentos de transformação política e social, que podem contribuir para a formação de um grupo intelectual da periferia, em defesa dos da periferia, pela libertação e consequente subversão da ordem social.

Têm muitas pessoas trabalhando para isso, seja no palco com o microfone, seja nas aulas junto aos jovens, seja escrevendo e expondo suas ideias.

Escreverei mais sobre a força dos intelectuais da periferia.

terça-feira, 29 de junho de 2010

A importância do funk para o jovem da periferia

Por João Batista Soares de Carvalho.

Nesse mês de junho dois alunos (Edson e Maxswell) da 8ª Série da EMEF Antônio Carlos de Andrada e Silva da Vila Jacuí, Zona Leste da cidade de São Paulo, me procuraram para que eu falasse sobre a importância do Funk para os jovens. Eles estavam produzindo um programa de rádio para um projeto do CDC Tide Setúbal na escola. Esses alunos fizeram um levantamento e descobriram que o ritmo preferido dos jovens estudantes dessa escola é o funk.

Perguntaram-me sobre a história do funk e resumidamente eu resgatei um pouco da origem do ritmo nos Estados Unidos marcado pelas batidas e pelos metais, destacando a figura de James Brown. Depois falei um pouco sobre a apropriação da Miami Bass feita pelas equipes de bailes do Rio de Janeiro até a criação de letras sobrepostas a essas batidas mais eletrônicas.

Sei que alguns esperavam que eu fizesse uma crítica ao funk carioca. Só que o funk não é uma coisa só, apresentando uma gama de letras para todos os gostos: românticas, pornográficas, apologias, políticas, afirmativas. É só escolher a que mais agrada ou não, pois ninguém é obrigado a gostar.

Perguntado sobre porque o dos jovens gostarem tanto do funk eu digo que o ritmo agrada muito, mas não podemos negligenciar o fato da letra chamar muito a atenção. A letra é transgressora principalmente permitir que um jovem de periferia, afrobrasileiro, pobre (que nunca teve voz e vez) fale o que pensa.

Defendo na entrevista que o funk atual do Brasil é alvo de um forte preconceito de ordem racial e classista. O problema do funk não está no que se canta e sim em quem canta. Se a mesma música dos funkeiros for interpretada por algum cantor da “MPB”, provavelmente não receberá as mesmas críticas que recebem os jovens pobres e negros de periferia que ousaram emitir opinião de forma pública.

O que procuro destacar nessa entrevista é o fato dos afroamericanos e afrobrasileiros usarem o funk para expressar sua condição de classe e de etnia, expressar a luta pela voz, pelo direito de expor sua visão de mundo.

Ouça o áudio da entrevista:

domingo, 27 de junho de 2010

“Sonhei com esse dia” - Mano Brown no Fantástico

Por João Batista Soares de Carvalho

“Sonhei com esse dia (...)” é um trecho da letra escrita por Mano
Brown e acrescentada a música Umbabarauma de Jorge Benjor. Essa
parceria inaugurou uma grande polêmica porque marcou a primeira
aparição planejada de Mano Brown no Programa Fantástico da Rede Globo.
Essa aparição gerou uma enorme repercussão e pode representar as
transformações pelas quais passa o hip hop, e conseqüentemente o RAP,
nessa década.
Alguns, mesmo ignorando a razão e não querendo saber das
justificativas, viram esse ato como uma prova de que o rapper se
vendeu para a “mídia”. Por outro lado, se analisarmos o clipe,
produzido pela Nike, notamos que Mano Brown não aparece de qualquer
forma. Normalmente um jovem negro aparece nos principais veículos
televisivos tachado como criminoso e armado. No clipe, Mano Brown
apresenta outras armas que a periferia está aprendendo a usar. Mano
Brown representa, no clipe, o negro criador, o escritor, o compositor,
o músico. Em vários trechos do vídeo ele aparece manipulando a letra,
usando um caderno e uma caneta. Como ele já cantou várias vezes, essas
deveriam ser as armas dos pobres, dos pretos de periferia, favelados.
Mano Brown não precisa justificar nada. Não fez nada de errado. Não
foi incoerente. Principalmente porque se o Jorge Benjor veio a
quebrada, no reduto de Mano Brown, cantou para o público do RAP, foi
justo Mano Brown retribuir. Além disso, não foi de graça: toda a renda
da venda dessa música será revertida para o projeto social criado por
Mano Brown no Capão Redondo.
Como disse um colega meu: “Agora favelado tem razão pra pagá de Nike,
sobro uns cobre pra nóis!”